quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

ASSEMBLEIA LITÚRGICA:

participação de um povo sacerdotal na liturgia
a partir da Constituição Sacrosanctum Concilium




Pe. Cristiano Marmelo Pinto



“Desde o próprio dia de Pentecostes, a Igreja nunca deixou de reunir-se para celebrar o mistério pascal: lendo tudo o que se refere a ele em toda a Escritura (Lc 24,27), celebrando a Eucaristia, na qual voltam a fazer-se presentes a vitória e o triunfo de sua morte e, ao mesmo tempo, agradecendo a Deus pelo dom inefável (2Cor 9,15) em Cristo Jesus, para louvar sua glória (Ef 1,12) pela força do Espírito Santo” (SC 6).



1. Introdução

A questão da assembleia é fundamental no que diz respeito à participação litúrgica. Compreender o papel da assembleia na ação litúrgica, sua sacramentalidade e finalidade são imprescindíveis para que a liturgia, renovada pelo Concílio Vaticano II, possa atingir a tão desejada participação de todo o povo de Deus na liturgia. Toda a renovação promovida pelo Concílio e promulgada no documento conciliar sobre a liturgia Sacrosanctum Concilium visa resgatar esta participação de todos na celebração litúrgica.
A celebração litúrgica não é uma reunião qualquer, muito menos um aglomerado de massa ou grupo de indivíduos sem algo comum, mas possui uma finalidade específica e atinge um grupo característico. A assembleia litúrgica difere-se de outros tipos de assembleia, porque é formada pelo povo de Deus, povo de sacerdotes, que participa do Sacerdócio único de Cristo (cf. LG 10; 11).
Toda celebração requer a participação de um grupo, ou seja, é preciso que um grupo de pessoas se reúna para celebrar. “Não existe culto plenamente litúrgico a não ser que seja celebrado para e por um povo reunido” (GELINEAU, 1973, p. 40). De fato, como afirma a constituição Sacrosanctum Concilium “a Igreja nunca deixou de reunir-se para celebrar o mistério pascal” (SC 6). Mas esta reunião não é um simples encontro de pessoas. É preciso formar um corpo, uma assembleia. Esta assembleia que se reúne para celebrar o mistério pascal de Cristo é o que chamamos de assembleia litúrgica.
Na celebração dos 50 anos do Concílio Vaticano II e mais especificamente da Constituição sobre a liturgia Sacrosanctum Concilium, queremos refletir sobre a assembleia litúrgica como participação de um povo sacerdotal na celebração a partir deste documento que é o marco de toda uma mudança de atitude e mentalidade e, que visa principalmente o resgate da participação do povo de Deus de modo ativo na liturgia. Queremos compreender o sujeito da celebração e suas vertentes no contexto celebrativo.

2. Mas o que é uma assembleia litúrgica?

Levando em conta a conotação profana do termo, assembleia indica um grupo qualquer de pessoas que se reúnem para um determinado objetivo. Considerando o contexto religioso “a assembleia litúrgica é um grupo humano que se reúne e, no âmbito dessa categoria, um grupo orientado para uma atividade religiosa” (SPERA; RUSSO, 2005, p. 111). Este grupo humano que se reúne em assembleia para uma atividade religiosa é o povo de Deus, e no nosso caso, o povo cristão, comunidade de fiéis unidos pela fé e pelo batismo que nos constitui povo de Deus.
À primeira vista, quando falamos de reunião, vem-nos a mente de que para reunir-se é preciso estar disperso. No entendimento de Argárate “reunião é voltar a unir-se. E se é voltar a unir-se, previamente é necessário uma certa des-união ou dispersão. Por sua vez, a partícula ‘re’ implica que antes da des-união havia uma sólida união. Desse modo, re-união leva-nos a voltar a uma unidade primeira” (ARGÁRATE, 1997, p. 57).
A comunidade-Igreja reúne-se para um fazer especial, marcadamente comunitário. Até podemos dizer que essa comunidade existe para esse fazer. A essência da comunidade é o reunir-se para o fazer litúrgico. A comunidade-Igreja ordena-se principalmente para o fazer da liturgia. A Igreja é a comunidade da liturgia, do fazer celebrativo do mistério do Senhor (ARGÁRATE, 1997, p. 58).
Desde cedo usou-se o termo ekklesía para expressar a reunião dos cristãos. “A significação literal imediata do termo seria chamado, reunião, comunidade, igreja” (BERNAL, 2000, p. 111). Ekklesía transliterado para o latim Ecclesia são versões da palavra hebraica qahal, que “designa a convocação para uma assembleia e o ato de reunir-se. A melhor maneira de traduzi-la seria por chamado” (COENEN, apud BERNAL, 2000, p. 111). Na sua concepção mais antiga e originária, ekklesía fazia referência à comunidade do povo de Deus convocada e reunida para celebrar a liturgia. Segundo Spera (2005, p. 112), “os autores mais antigos que descrevem a liturgia mais primitiva indicam como sua principal característica e seu começo o fato de reunir-se, de deslocar-se e de chegar a um mesmo lugar para encontrar-se e ficarem todos juntos”. Porém, a assembleia litúrgica não se reúne espontaneamente, mas sim, por um chamado, uma convocação que tem sua origem em Deus. “Assembleia, em compensação, é a reunião da Igreja, do povo de Deus, convocado pela Palavra do Senhor, em um lugar concreto e num momento preciso para celebrar os mistérios do culto” (BERNAL, 2000, p. 111). É por esse motivo que no início da celebração, após a saudação do presidente, a comunidade responde: Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo. É Deus quem nos convoca e reúne no amor de seu Filho Jesus. A comunidade dispersa, ao ouvir o chamado de Deus atende sua convocação e se reúne.
Os que se sentem unidos por diversos vínculos de conhecimentos, afeto, parentesco, amizade, relação profunda, mais que, na vida ordinária, se acham dispersos, separados, re-unen-se, isto é, voltam a unir-se, a exprimir a sua vinculação unitiva, de modo sensível, por meio de uma presença física de reciprocidade (MALDONADO, 1990, p. 163).
Para nós cristãos, o vínculo que nos faz reunir-se para celebrar é a fé em Jesus Cristo e o nosso batismo, que nos torna, todos, povo de Deus. Deste modo, manifesta-se a Igreja reunida para celebrar o mistério pascal de Cristo. “Essa Igreja mostra-se, assim, como a grande força unificante no mundo, o lugar onde todos os homens são um. E essa unidade se alcança não suprimindo as diferenças, mas conservando-as” (ARGÁRATE, 1997, p. 58). A liturgia manifesta a verdadeira natureza da Igreja (cf. SC 2).
Conforme Beckhäuser (2012, p. 17): A liturgia constitui a maior epifania ou manifestação da Igreja. Ela mostra a Igreja aos que estão fora dela, como estandarte erguido diante das nações, a fim de que se estabeleça a verdadeira união entre os cristãos e todos sejam congregados até que haja um só rebanho e um só pastor.
Cada membro da Igreja participa da assembleia litúrgica de modo diferente, segundo a diversidade de ministérios e funções (cf. SC 26; LG 11).

3. Assembleia litúrgica e participação de um povo sacerdotal

A celebração litúrgica é obra de Cristo sacerdote e de seu corpo, a Igreja, ou seja, do “Christus Totus” (Cristo total, cabeça e membros). Não encontramos nos Evangelhos nenhuma referência ao sacerdócio. No Novo Testamento, e mais precisamente na Carta aos Hebreus, há somente um único sacerdócio, um único sacerdote e mediador: Jesus Cristo (cf. Hb 4,14.8,1. 10,19-21). É na Primeira Carta de Pedro que irá aparecer a participação do cristão no sacerdócio de Cristo (cf. 1Pd 2,4-5.9).
Sobre a presença e atuação de Cristo na liturgia, a constituição Sacrosanctum Concilium dedicou um artigo inteiro (cf. SC 7). Nele afirma-se que Cristo está sempre presente à sua Igreja, de modo especial nas ações litúrgicas. Cristo age unido à Igreja e por isso, a liturgia é o exercício do sacerdócio de Cristo. “Toda celebração litúrgica, pois, como obra de Cristo sacerdote e de seu corpo, a Igreja, é ação sagrada num sentido único” (SC 7). É toda a comunidade que, unida a Cristo, celebra a liturgia. “A assembleia reunida para celebrar a liturgia se apresenta como comunidade sacerdotal. Ela exerce e atualiza o sacerdócio eterno e único de Jesus Cristo” (BERNAL, 2000, p. 122). É neste sentido que a constituição irá afirmar que: “as ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, sacramento da unidade” (SC 26). Assim sendo, as ações litúrgicas já não são mais privativas dos ministérios ordenados, mas atos de toda a Igreja, e por isso deve-se preferir, na medida do possível, a celebração comunitária em que cada um deve desempenhar aquilo que lhe cabe (cf. SC 26; 27; 28).
A Igreja é uma comunidade de caráter sacerdotal (cf. SC 7). “A liturgia, exercício do sacerdócio de Cristo, torna-se visível na Igreja e por meio da Igreja” (SPERA; RUSSO, 2005, p. 113). A mediação sacerdotal de Cristo é visibilizada, prolongada e manifestada por meio da comunidade dos batizados. Como afirma a constituição Lumen Gentium: “os batizados consagram-se para serem edifício espiritual e sacerdócio santo, a fim de, por meio de toda a sua atividade cristã, oferecerem sacrifícios espirituais e proclamarem as grandezas daquele que das trevas nos chamou para a sua luz maravilhosa” (LG 10). O Concílio procurou recuperar a função sacerdotal de todo o povo de Deus na assembleia litúrgica.
O Concílio faz então uma distinção entre, de um lado, o sacerdócio comum ou sacerdócio dos batizados e, de outro lado, o sacerdócio ministerial dos bispos e presbíteros. Não se trata de dois sacerdócios. Ambos são expressão e participação do mesmo e único sacerdócio, o de Jesus Cristo. O sacerdócio comum não deriva ou não está abaixo do sacerdócio ministerial (BUYST, 2012, p. 38).
O fundamento do sacerdócio é o batismo (cf. LG 14; 31, AA 3). Porém, Cristo está representado na Igreja, como cabeça de seu corpo, por meio do sacerdócio ministerial. Embora diferente do sacerdócio batismal de todos os fiéis em essência e grau, ordena-se para este. “O sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum dos fiéis, ambos expressão de uma Igreja povo sacerdotal, precisam um do outro e se completam reciprocamente para realizar o culto verdadeiro (MARTÍN, 1996, p. 207).
O sujeito integral da liturgia é sempre a Igreja, mas seu sujeito último e transcendente é Jesus Cristo, que fez da Igreja seu corpo sacerdotal. A assembleia litúrgica é, portanto, a reunião da Igreja, povo sacerdotal de Cristo, para celebrar pelo vínculo da fé e do batismo, o mistério pascal de Cristo. Assim, como define o Catecismo da Igreja, “na celebração dos sacramentos, a assembleia inteira é o liturgo, cada um segundo a sua função, mas na unidade do Espírito, que age em todos” (CIC, 1144).

4. Características da assembleia litúrgica

O centro de toda assembleia litúrgica é a presença do Cristo ressuscitado no meio dela. De fato, foi o próprio Jesus Cristo quem prometeu que “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). A essa presença de Jesus corresponde a fé confessada da comunidade reunida. A assembleia litúrgica é então, a reunião motivada pela fé em Jesus Cristo ressuscitado. “A assembleia litúrgica parte da fé, sendo ela própria uma confissão de fé no Senhor ressuscitado” (SPERA; RUSSO, 2005, p. 115).
A assembleia litúrgica, reunida na presença de Cristo, possui suas características. Vejamos algumas dessas características.

1ª) A assembleia litúrgica é um grupo ao mesmo tempo unitário e diverso: a assembleia deve ser um fator de unidade de todos os que dela fazem parte. Ela deve ser um espaço de acolhida cordial de todos que chegam para celebrar o mistério do Senhor. A assembleia é composta de pessoas que possuem muito em comum, mas que também tem suas diferenças. Por isso, mesmo que seja um ato eclesial, ninguém perde sua identidade particular.
A assembleia litúrgica deve ser aberta e, portanto, plural, heterogênea, matizada, sinal da universalidade do amor do Pai, da catolicidade do seu desígnio salvífico, da solidariedade ilimitada suscitada pela liberalidade da sua vontade libertadora. O único requisito para ser admitido a ela é a fé (MALDONADO, 1990, p. 167).
2ª) A assembleia litúrgica é carismática e hierárquica : significa que a assembleia litúrgica não é um amontoado de indivíduos anônimos, mas uma comunidade de fiéis que possui carismas e dons e é estruturada de maneira hierárquica. Essa característica é traduzida no plano prático através dos diversos ministérios e funções exercidas na celebração. Esses ministérios e funções devem ser desempenhados para o bem de todos.
Há, no entanto, na assembleia, um princípio de distinção entre as pessoas, que não deriva da consideração mundana, mas de sua natureza orgânica e de seu próprio mistério: sua estrutura hierárquica. Todavia, não deve essa estrutura abafar os carismas de seus membros.
Essa estrutura é como que bipolar: de um lado, a presidência, sinal pessoal do Senhor, servo e sacerdote; do outro, o povo, sinal da Igreja, a exercer seu sacerdócio batismal. Em torno desses dois polos, desenvolve-se certo número de serviços. Ao polo da presidência estão antes ligados os serviços da Palavra, da oração e da mesa; ao lado do povo, os da acolhida, das ofertas e do canto (GELINEAU, 1973, p. 65).
3ª) A assembleia litúrgica é uma comunidade que supera as tensões: a assembleia litúrgica, por ser a reunião de indivíduos e grupos, possui suas tensões. Mas essas tensões devem ser superadas. “Há uma contínua tensão entre o indivíduo que vem à assembleia e a ação simbólica que lhe é proposta pela liturgia” (GELINEAU, 1973, p. 66-67). O fato de serem todos crentes não significa que concordam imediatamente com a celebração. Há dois aspectos nessa tensão: por um lado, refere-se à própria realidade da ação proposta, ou seja, deixar-se julgar e converter pela Palavra; morrer e ressuscitar com Cristo; comungar com Deus e com os irmãos. É o que Paulo fala a respeito da necessidade de revestir-se do homem novo (cf. Ef 4,24). Por outro lado, refere-se aos sinais nos quais esse mistério é proposto, ou seja, linguagem parcialmente desconhecida, pessoas com quem celebro, que não escolhi, que não são todas conhecidas, cantos e textos que não são minha escolha, mas propostos pela liturgia.
A assembleia é uma comunidade que supera as tensões entre o indivíduo e o grupo, entre o subjetivo e o objetivo, entre o particular e o que é patrimônio comum, entre o que é somente local e o que é universal, etc. A assembleia não anula, integra; e isso não só no nível do eu e do tu no nós – abertura e encontro interpessoal, mas também no nível histórico e contingente com o transcendente e eterno, ou seja, com o mistério de salvação e a graça de Cristo, que autentica o encontro das pessoas nesse horizonte comunitário (MARTÍN, 1996, p. 209).
4ª) A assembleia litúrgica é polarizante: dizer que a assembleia litúrgica polariza significa que ela oferece um canal de expressão e de comunicação aos sentimentos dos que estão presentes na celebração. Significa dizer que a assembleia além de centrar os sentimentos de cada pessoa em torno de um determinado valor religioso, ela também concentra nele os sentimentos da comunidade inteira que partilha a mesma experiência de fé e de oração.
A assembleia polariza e proporciona meios de expressão e de comunicação aos sentimentos dos presentes, por mais contrastantes que possam mostrar-se (SPERA; RUSSO, 2005, p. 116).

5. A participação da assembleia na celebração litúrgica

O grande anseio da renovação litúrgica promovida pelo Concílio Vaticano II é resgatar principalmente a participação de toda a comunidade na celebração. Para isso empenhou-se em tornar o rito litúrgico mais claro, simples, sóbrio, conforme as características da liturgia celebrada no início da Igreja. Compreender o papel da assembleia litúrgica na celebração é fundamental para resgatar a sua participação e evitar certos equívocos ou até mesmo atitudes “populistas” de quem considera promover a participação da assembleia, confundindo os papéis de cada ministério e função na celebração. O documento conciliar diz que a Igreja procura fazer com que os fiéis estejam presentes na liturgia, não como estranhos espectadores, mas como participantes conscientes e ativos (cf. SC 48).
Há todo um jogo na expressão dos gestos e na linguagem da celebração litúrgica para indicar, por exemplo, que algumas vezes é a assembleia toda que atua, ou os membros individualmente, ou aquele que preside, fazendo o que lhe cabe em nome de todo o povo santo, ou dialogando com os fiéis (MARTÍN, 1996, p. 209).
Qual o significado da palavra “participar”? Participar vem do latim tardio (partem-capere, participare, participatio) e significa intervir, assistir, aderir, ter parte. Participare – participatio indicam, na linguagem litúrgica, uma relação com, ter algo em comum com, estar em comunhão. Participação expressa portanto, relação, comunicação, identificação, unidade. Esses termos são usados para referir-se à participação no mistério celebrado. Participação na liturgia significa ter parte na ação litúrgica, na vida liturgia. Não como “espectadores mudos” (SC 48), mas de modo consciente, ativo e frutuoso (cf. SC 11; 48; 114). “Participar da ação litúrgica significa ter parte no mistério que está sendo celebrado” (BUYST, 2002, p. 103).
A participação na liturgia envolve três aspectos:
1) A ação de participar, mediante atos humanos (gestos, ritos) e atitudes internas, suscetíveis a variar de intensidade ou de modalidade;
2) O objeto da participação, ou seja, aquilo de que se participa, que não é somente um ato, ritual e simbólico, mas também o conteúdo misterioso que se celebra ou se atualiza (o acontecimento salvífico);
3) As pessoas que tomam parte na celebração, isto é, ministros e fiéis, cada um segundo o grau próprio de sua função na liturgia.
Antes de qualquer tentativa de compreender como se dá a participação na liturgia, é preciso ter em mente que é toda a assembleia o sujeito da liturgia e não apenas os ministros ordenados (cf. SC 48). Sendo, pois, sujeito da celebração, todos dela devem participar. Significa que a participação da assembleia é parte integrante da ação litúrgica que tem sua origem e fundamento no sacerdócio batismal de todo cristão (cf. SC 14; LG 10-11). A participação na liturgia é um direito e um dever de todos. Ela não é algo privativo, de apenas alguns, mas de todos. É o que diz o Concílio quando afirma que: “as ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é o sacramento da unidade, isto é, o povo santo, unido e ordenado sob a direção dos bispos” (SC 26). Por isso é preciso promover a participação de todos na liturgia.
A Igreja deseja ardentemente que todos os fiéis participem das celebrações de maneira consciente e ativa, de acordo com as exigências da própria liturgia e por direito e dever do povo cristão, em virtude do batismo, como “raça eleita, sacerdócio régio, nação santa e povo adquirido”. Procure-se, por todos os meios, restabelecer e favorecer a participação plena e ativa de todo o povo na liturgia. Ela é a fonte primeira e indispensável do espírito cristão (SC 14).
A Constituição Sacrosanctum Concilium apresenta o ideal da participação na liturgia. Vejamos:
a) Participação plena, consciente, ativa e proveitosa (SC 11; 14);
b) Participação interna e externa (SC 19; 110);
c) Participação em ato (SC 26);
d) Participação própria dos fiéis e comunitária (SC 114);
e) Participação em assembleia (SC 121);
f) Participação ordenada e harmoniosa (SC 18; 19).
A participação na liturgia é algo interno e externo (cf. SC 11), algo que envolve toda a pessoa, de forma que as atitudes interiores coincidam com o gesto ou a ação exterior. Deve ser consciente (cf. SC 14), além de ativa e plena. Quanto aos elementos da participação na liturgia exposto pelo Concilio Vaticano II, vejamos alguns deles.
a) Participação ativa: participar da celebração de forma ativa sugere ação de todos. Significa em primeiro lugar “querer encontrar-se com o Senhor, responder a seu convite” (BUYST, 2002, p. 104). Significa querer encontrar-se com os irmãos na fé, povo sacerdotal. Em segundo lugar significa participar ativamente de todas as ações litúrgicas, cada qual exercendo a sua função;
b) Participação interna e externa: a participação na liturgia tem dois aspectos, um interno e outro externo. O que realizamos externamente (gestos, palavras, canto, movimentos...) deve ter repercussão interior, ou seja, deve atingir nossa interioridade, nosso coração. É deixar-se mergulhar, através dos gestos e sinais, no mistério do Senhor;
c) Participação consciente: significa que nossa mente deve acompanhar nossas palavras e gestos. Como dizia São Bento: “que nossa mente concorde com o coração”. Participar conscientemente trata-se de que precisamos compreender cada gesto, palavra, símbolos da liturgia. É uma compreensão que vai além do puro raciocínio, é deixar-se tocar pelo mistério do Senhor, e poder ver em tudo que se realiza na liturgia a expressão desse mistério;
d) Participação plena: trata-se de participar de maneira integral, ou seja, se entregar por inteiro no que está sendo celebrado. Identificar-se com o mistério celebrado e deixar-se tomar por ele e se transformar. É o que diz São Paulo: “Já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim. E esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20);
e) Participação frutuosa: significa que a participação na celebração litúrgica deve produzir frutos na vida de quem dela participa. Ela deve ser traduzida em ações, em compromisso no dia a dia das pessoas. Em outras palavras, significa dizer que a liturgia deve produzir frutos de conversão e transformação em nossa vida, ter continuidade fora do momento celebrativo.
Em vista de uma melhor participação na liturgia, o Concílio procurou concretizar os meios possíveis para que a participação da assembleia aconteça. Para isso é necessário:
a) Formação litúrgica (SC 14-19);
b) Catequese litúrgica e de admoestações oportunas no desenvolver dos ritos (SC 35,3);
c) Ritos simplificados (SC 34);
d) Fomento dos cantos e das respostas, dos gestos e das posturas corporais, assim como do silêncio na celebração (SC 30);
e) Introdução da língua vernácula (SC 36,2);
f) Inculturação da liturgia (SC 37-40);
g) Ampliação das leituras da Palavra de Deus na liturgia (Sc 24);
h) Homilia (Sc 35,2);
i) Revisão dos testos e dos livros litúrgicos (SC 21; 25).

7. Concluindo...

A liturgia é a celebração de todo o povo de Deus, Corpo de Cristo (Cabeça e membros). A assembleia que celebra a liturgia é manifestação da Igreja e sujeito da liturgia. Na liturgia, a Igreja se manifesta como povo sacerdotal, que celebra o mistério da fé. Esse povo sacerdotal é constituído pelo batismo, que nos faz todos participantes do único sacerdócio de Jesus Cristo. Embora diferentes em grau e essência, o sacerdócio batismal e o sacerdócio ministerial está um ordenado para o outro.
A assembleia litúrgica é a reunião da Igreja, povo sacerdotal de Cristo, para celebrar pelo vínculo da fé e do batismo, o mistério pascal de Cristo. Desse modo, podemos concluir que a participação da assembleia na liturgia consiste em, deixar-se tomar pelo mistério celebrado e dele participar de modo ativo e consciente. Se compreendermos bem o papel da assembleia na liturgia, seus ministérios e funções, poderemos promover então o que deseja o Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a liturgia Sacrosanctum Concilium: uma participação ativa, interior e exterior, consciente, piedosa, plena e frutuosa.
Ainda nos falta muito por fazer. Precisamos arregaçar as mangas e ajudar o nosso povo a celebrar cada vez melhor. A promoção da participação da assembleia na liturgia cabe tanto aos pastores (bispos e presbíteros), como também aos membros da pastoral litúrgica. Então, mãos à obra!


Referências bibliográficas:

CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia. (Coleção: A voz do papa 26). São Paulo: Paulinas, 2002.
ARGÁRATE, Pablo. A Igreja celebra Jesus Cristo: introdução à celebração litúrgica. São Paulo: Paulinas, 1997.
BERNAL, José Manuel. Celebrar, un reto apasionante: bases para una comprensión de la liturgia. Salamenca/Madrid: San Esteban/Edibesa, 2000.
BUYST, Ione. Participar da liturgia. São Paulo: Paulinas, 2012.
BUYST, Ione; SILVA, José Ariovaldo da. O mistério celebrado: memória e compromisso I. Valencia: Siquem, 2002.
GELINEAU, Joseph. Em vossas assembleias 1: teologia pastoral da missa. São Paulo: Paulinas, 1973.
MALDONADO, Luis. A celebração litúrgica: fenomenologia e teologia da celebração. In: BOROGIO, Dionísio (org.). A celebração na Igreja 1: liturgia e sacramentologia fundamental. São Paulo: Loyola, 1990, p. 161-175.
MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade: introdução teológica à liturgia. Petrópolis: Vozes, 1996.

SPERA, Juan Carlos; RUSSO, Roberto. A assembleia celebrante. In: CELAM. Manual de liturgia: a celebração do mistério pascal – fundamentos teológicos e elementos constitutivos. São Paulo: Paulus, 2005, p. 111-141.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Homilia para a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

“SANTA MARIA, MÃE DE DEUS”

Pe. Luiz Carlos de Oliveira, CSsR





Jesus, a bênção de Deus

Ao desejarmos feliz Ano Novo, queremos dar às pessoas o que há de melhor para que esse ano novo chegue ao fim com bons resultados.  A liturgia acompanha esses sentimentos colocando no início do ano a bênção que Deus confia aos sacerdotes para darem ao povo: “O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e se compadeça de ti! O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!” (Nm 6, 22-27). Com essa celebração queremos focar nossa atenção na visão da face de Deus. Para os judeus, ver Deus significava morrer, pois não haveria mais nada por ver nesse mundo. Era uma atitude cheia de medo, mas na verdade cheia temor, isto é, reconhecimento da grandeza da bondade de Deus. O amor, diz São João, exclui o medo (1Jo 4,18). Ninguém jamais viu Deus, mas em Jesus pudemos contemplar sua face. Nos gestos humanos de Jesus, em suas obras e em sua missão podemos conhecer a Deus. Ele nos revelou o Pai, como diz: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9). Em seu nascimento fomos resgatados para recebermos a adoção de filhos. “Porque filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Abbá – ó Pai. De modo que já não és escravo, mas filho. Se és filho, és também herdeiro” (Gl 4,6-7). Tudo por graça de Deus. Não se trata de um acontecimento passado, mas está em contínua ação em nós. Deus está voltado para nós e nos dá a paz.

Face compassiva

Na visita aos pastores encontramos já a face de Deus voltada aos mais necessitados. Não é um ato social, mas um compromisso de Deus que toma sobre si a defesa e a proteção dos humildes e sofredores. Deus é o redentor dos pobres. É um termo jurídico que significa a responsabilidade do parente próximo sobre alguém (Go’el). Mostrando a face amorosa aos pastores, ensina que todos devem ter a mesma atitude. Ele faz parte deste povo. Por isso temos a narração da circuncisão na qual Jesus entra como membro do povo de Deus, destinatário das promessas e sua realização. O nome que lhe é dado, conforme fora chamado pelo anjo, a definição de sua missão: ‘Veio para salvar’. Jesus é, em todo seu ser, a perfeita bênção de Deus, dom de salvação e de paz para todos os homens. Salvação não é somente um ato religioso de livrar de um inferno, mas atitude de redenção da pessoa toda, libertando-a de todos os males. Muitos, temendo o inferno, procuraram levar uma vida sem pecados. Não acreditando mais nessa realidade, passaram a fazer o inferno para os outros sobrecarregando de males que destroem a pessoa em seu dom de vida e de graça. Acolher a salvação é acolher uma missão de ser bênção para os outros

Mãe de Deus e nossa


Hoje celebramos a festa de Santa Maria Mãe de Deus. Podemos chamá-la de nossa Mãe porque somos irmãos de Jesus. Podemos chamá-la Mãe de Deus porque é Mãe Daquele que é Homem-Deus. Negar essa verdade é negar que Jesus é Deus. Sendo a geradora de Jesus Salvador, está intimamente ligada à Salvação da qual ela foi a primeira beneficiada. Dela Ele recebeu nossa humanidade. Nele participamos da Divindade. Em Belém ela apresentou Jesus aos pastores. O amor a Nossa Senhora é a expressão clara de termos recebido Jesus que veio ao mundo através dela. Ela fez sua parte em dá-Lo ao mundo. Agora é nossa vez de acolhê-lo e levá-Lo aos outros através de nossas atitudes e palavras. Assim daremos a todos o direito de ter um Ano Novo feliz. Recorramos a sua intercessão junto a seu Filho para que possamos viver um ano de graça. Jesus continua sendo o Filho querido de tão querida Mãe. Da parte de Deus o ano promete ser feliz.

domingo, 28 de dezembro de 2014

Das Alocuções do papa Paulo VI



As lições de Nazaré

Nazaré é a escola onde se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho.
Aqui se aprende a olhar, a escutar, a meditar e penetrar o significado, tão profundo e tão misterioso, dessa manifestação tão simples, tão humilde e tão bela, do Filho de Deus. Talvez se aprenda até, insensivelmente, a imitá-lo.
Aqui se aprende o método que nos permitirá compreender quem é o Cristo. Aqui se descobre a necessidade de observar o quadro de sua permanência entre nós: os lugares, os tempos, os costumes, a linguagem, as práticas religiosas, tudo de que Jesus se serviu para revelar-se ao mundo. Aqui tudo fala, tudo tem um sentido.
Aqui, nesta escola, compreende-se a necessidade de uma disciplina espiritual para quem quer seguir o ensinamento do Evangelho e ser discípulo do Cristo.
Ó como gostaríamos de voltar à infância e seguir essa humilde e sublime escola de Nazaré! Como gostaríamos, junto a Maria, de recomeçar a adquirir a verdadeira ciência e a elevada sabedoria das verdades divinas.
Mas estamos apenas de passagem. Temos de abandonar este desejo de continuar aqui o estudo, nunca terminado, do conhecimento do Evangelho. Não partiremos, porém, antes de colher às pressas e quase furtivamente algumas breves lições de Nazaré.
Primeiro, uma lição de silêncio. Que renasça em nós a estima pelo silêncio, essa admirável e indispensável condição do espírito; em nós, assediados por tantos clamores, ruídos e gritos em nossa vida moderna barulhenta e hipersensibilizada. O silêncio de Nazaré ensina-nos o recolhimento, a interioridade, a disposição para escutar as boas inspirações e as palavras dos verdadeiros mestres. Ensina-nos a necessidade e o valor das preparações, do estudo, da meditação, da vida pessoal e interior, da oração que só Deus vê no segredo.
Uma lição de vida familiar. Que Nazaré nos ensine o que é a família, sua comunhão de amor, sua beleza simples e austera, seu caráter sagrado e inviolável; aprendamos de Nazaré o quanto a formação que recebemos é doce e insubstituível: aprendamos qual é sua função primária no plano social.
Uma lição de trabalho. Ó Nazaré, ó casa do “filho do carpinteiro”! É aqui que gostaríamos de compreender e celebrar a lei, severa e redentora, do trabalho humano; aqui, restabelecer a consciência da nobreza do trabalho; aqui, lembrar que o trabalho não pode ser um fim em si mesmo, mas que sua liberdade e nobreza resultam, mais que de seu valor econômico, dos valores que constituem o seu fim. Finalmente, como gostaríamos de saudar aqui todos os trabalhadores do mundo inteiro e mostrar-lhes seu grande modelo, seu divino irmão, o profeta de todas as causas justas, o Cristo nosso Senhor.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Homilia para a Festa da Sagrada Família

“A Família de Nazaré é modelo”

Pe. Luiz Carlos de Oliveira, CSsR





Consagrado ao Senhor

               No Tempo do Natal temos diversas celebrações que continuam a memória do Mistério da Encarnação que acompanha toda a vida de Cristo. Se por um lado há uma tendência em acentuar tanto sua Divindade que perdemos de vista sua Humanidade, por outro acontece acentuar tanto o aspecto humano que esquece o Divino. Pela fé cremos na união das duas naturezas e na sua total unidade e integridade: Homem-Deus. Maria e José vão ao templo para os ritos após o nascimento do primogênito. Ele pertence a Deus e tem que ser resgatado: “Todo primogênito do sexo masculino deve ser consagrado ao Senhor” (Lc 2,23), conforme está escrito na lei do Senhor (Ex 13,2). Trata-se de um rito de família. Ali estão os pais reconhecendo a propriedade que Deus tem sobre o Filho. Jesus pertence ao Pai. Nesse momento é reconhecido por Simeão que vivia a esperança de Israel, isto é, a vinda do Messias. Quem assim vivia era movido pelo Espírito Santo. Notamos que os filhos pertencem a Deus e, se temos o Espírito, vamos reconhecer neles a presença de Deus que age para o bem. Criamos os filhos para Deus. Na profecia deste ancião está indicada sua missão: salvação para os que creem e perda para os que não acolhem. É o mistério da recusa. Diante de Cristo não há meios termos ou indiferença. A Igreja participa dessa condição de Jesus e sofre também a espada que atravessa o coração por ver a recusa do Evangelho e o sofrimento dos filhos perseguidos. Cumpre também a profecia feita por Simeão a Maria: Uma espada atravessará tua alma (Lc 2,35).

Revestir-se das virtudes

               A Palavra de Deus convida a nos revestirmos de Cristo. Revestir-se não é uma atitude exterior, mas ação da graça. Quando Paulo estimula a nos revestirmos das virtudes, está mostrando os efeitos da presença de Cristo em nós que gera um procedimento coerente. Não há o que mais destrua a força de Cristo em nós que a incoerência, isto é, crer e não agir como crê. O apóstolo, conhecedor da vida de família, enumera as virtudes na família e na comunidade: Revestir-se de misericórdia, bondade, humildade, mansidão, paciência, suportar-se e perdoar-se mutuamente. E retoma o fundamento: “Amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da perfeição”. Reine a paz e sede agradecidos. Viver a vida cristã é viver a Palavra. Um ajude o outro admoestando para superar os males. A oração é a costura de todas essas virtudes. Todas as atividades sejam feitas em Cristo, dando graças a Deus por meio dele. O relacionamento familiar insiste na preocupação de uns pelos outros no mútuo acolhimento e dedicação. Quando se diz imitar a Sagrada Família, é realizar na vida esse projeto.

Envelhecer no Espírito

O próprio Jesus é apresentado como modelo a ser seguido: “E o Menino crescia e se tornava forte, cheio de sabedoria; a graça de Deus estava com Ele” (40). É um projeto formativo para as famílias cristãs: Crescimento integral: físico, intelectual e espiritual. Sem isso temos a degradação da sociedade. Simeão e Ana, as duas figuras apresentadas hoje, mostram que envelhecer no Espírito é saber encontrar e identificar o Messias e sua ação. O livro do Eclesiástico mostra a força do quarto mandamento, que é o primeiro da segunda tábua, colocando como condição para ter o perdão dos pecados e força da oração o respeito e atenção aos pais, sobretudo, envelhecidos. Celebrar o Natal do Senhor é deixar Jesus nascer em nossas casas através das virtudes do Redentor, tão bem vividas por sua Mãe.

Leituras: Eclesiástico 3,3-7.14-17ª;Salmo 127; Colossenses 3,12-21; Lucas 2,22-40

Ficha nº 1400 – Homilia Sagrada Família Jesus, Maria José (28.12.14)

O Evangelho quer, mostrando os ritos da apresentação de Jesus no templo, acentuar sua pertença ao Pai e sua humanidade. Ele deve ser resgatado, segundo a lei. Como Simeão, se tivermos o Espírito reconheceremos a presença do Messias. Na profecia desse ancião está a missão de salvação e a queda de muitos. A Igreja sofre também a recusa.
A Palavra nos convida a nos revestirmos de Cristo. Paulo ensina que esse revestir-se acontece através das virtudes. Elas se resumem no amor. A oração é a costura de todas as virtudes. Viver a vida cristã é viver a Palavra.
O crescimento de Jesus como homem é o modelo a ser seguido. É o crescimento integral. Simeão e Ana mostram como envelhecer cheio do Espírito. A obediência ao quarto mandamento é condição para o perdão dos pecados e a força da oração. Celebrar o Natal é deixar Jesus crescer em nossas casas através das virtudes do Redentor, tão bem vividas por sua Mãe

A vez dos velhos

A celebração da Sagrada Família não é só uma lembrança, mas um projeto de vida como lemos no evangelho da celebração: Unidos realizam os ritos necessários para a vida da comunidade; Ouvem a Palavra de Deus através da experiência do velho Simeão e de Ana; Aprendem o valor de viver sob a inspiração do Espírito Santo; Entendem que Jesus é o Messias, mas que deve ser educado como homem, pois cresce em todos os sentidos; Sabem que Ele deve crescer na ciência de Deus.

A sociedade atual descarta os velhos. Na cultura africana, que conheci, ter um velho é ter um tesouro. Diziam: quando morre um velho, queimou-se uma biblioteca. É uma sabedoria que a sociedade perdeu. Com isso perdemos valores e a formação nas virtudes anunciadas por Paulo. Ali está o modo de viver cristão.


Este é o primeiro mandamento na referente ao próximo. E é o único com uma promessa de vida boa e longa (Ex 20,12 e Ef 6,1-3). Deus recompensa quem cuida de seus pais. Examinemos se alguns dos males que sofremos não provêm da desobediência a esse mandamento! O Eclesiástico põe aí a condição de sermos perdoados dos pecados e ouvidos em nossa oração.

Dos Tratados sobre a Primeira Carta de São João, de Santo Agostinho, bispo

Filho de Zebedeu (Mc 1,20; Mt 4,21), irmão de Tiago, o maior (Lc 5,10), discípulo de João Batista (Jo 1, 35-41), foi um dos primeiros a passar para o seguimento de Jesus. É o discípulo predileto que, na última ceia, reclinou a cabeça no peito de Jesus (Jo 13, 23-25). Testemunha da Transfiguração (Mt 17,1) e da agonia do Senhor (Mc 14,33), está presente ao pé da cruz, onde Jesus lhe confia a Mãe (Jo 19, 26-27). Junto com Pedro, viu o sepulcro vazio e acreditou na ressurreição do Senhor (Jo 20,1-9).


A vida se manifestou em nossa carne


O que era desde o princípio, o que nós ouvimos, o que vimos com os nossos olhos e as nossas mãos tocaram da Palavra da Vida (1Jo 1,1). Quem poderia tocar a Palavra com suas mãos, a não ser porque a Palavra se fez carne e habitou entre nós? (Jo 1,14).
A Palavra que se fez carne para ser tocada com as mãos, começou a ser carne no seio da Virgem Maria; mas não foi então que a Palavra começou a existir porque, diz João, ela era desde o princípio. Vede como sua Carta é confirmada pelas palavras do seu Evangelho, que acabais de escutar: No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus (Jo 1,1).
Alguns talvez julguem que a expressão Palavra da Vida designe de modo geral a Cristo e não o próprio Corpo de Cristo que foi tocado pelas mãos. Reparai no que vem em seguida: E a Vida manifestou-se (1Jo 1,2). Por conseguinte, Cristo é a Palavra da Vida.
E como se manifestou esta Vida? Ela existia desde o início, mas não tinha se manifestado aos homens; manifestara-se aos anjos que a contemplavam e se alimentavam dela como de seu pão. E o que diz a Escritura? O homem se nutriu do pão dos anjos (Sl 77,25).
Portanto, a Vida se manifestou na carne, para que, nesta manifestação, aquilo que só o coração podia ver, fosse visto também com os olhos, e desta forma curasse os corações. De fato, o Verbo só pode ser visto com o coração, ao passo que a carne pode ser vista também com os olhos corporais. Éramos capazes de ver a carne, mas não éramos capazes de ver a Palavra. Por isso, a Palavra se fez carne que nós podemos ver, para curar em nós o que nos torna capazes de vê-la.
E somos testemunhas, diz João, e vos anunciamos a Vida eterna, que estava junto do Pai e que se tornou visível para nós (1Jo 1,2), isto é, que se manifestou entre nós ou, falando mais claramente, nos foi manifestada.
Isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos (1Jo 1,3). Prestai atenção: Isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos. Eles viram o próprio Senhor presente na carne, ouviram da boca do Senhor suas palavras e no-las anunciaram. E nós ouvimos certamente, mas não vimos.
Somos, por isso, menos felizes do que eles que viram e ouviram? Por que então acrescenta: Para que estejais em comunhão conosco? (1Jo 1,3). Eles viram, nós não vimos e, contudo, estamos em comunhão com eles porque temos uma fé comum.
E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Nós vos escrevemos estas coisas, diz João, para que a vossa alegria fique completa (1Jo 1,4). Essa alegria completa encontra-se na mesma comunhão, na mesma caridade, na mesma unidade.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Dos sermões de São Fulgêncio de Ruspe, bispo

Estevão é o primeiro dos mártires de Cristo, e um dos sete que os apóstolos escolheram para o serviço da comunidade, porque "cheio de fé e do Espírito Santo" (At 6,5). Nele se realiza de modo exemplar a figura do mártir como imitador o Cristo. ele contempla a glória do ressuscitado, cuja divindade proclama, entrega-lhe seu espírito, perdoa aos que o apedrejam (At 7, 55.59-60). Saulo, testemunha do apedrejamento (At 8,1), dele acolherá uma herança espiritual, tornando-se apóstolo das nações. A sua memória em 26 de dezembro é lembrada num "Breviário" siríaco do fim do séc. IV e no martirológio jeronimiano (século VI). Dele faz menção também o Cânon Romano.



As armas da caridade

Ontem, celebrávamos o nascimento temporal de nosso Rei eterno; hoje celebramos o martírio triunfal do seu soldado.
Ontem o nosso Rei, revestido de nossa carne e saindo da morada de um seio virginal, dignou-se visitar o mundo; hoje o soldado, deixando a tenda de seu corpo, parte vitorioso para o céu.
O nosso Rei, o Altíssimo, veio por nós na humildade, mas não pôde vir de mãos vazias. Trouxe para seus soldados um grande dom, que não apenas os enriqueceu imensamente, mas deu-lhes uma força invencível no combate: trouxe o dom da caridade que leva os homens à comunhão com Deus.
Ao repartir tão liberalmente o que trouxera, nem por isso ficou mais pobre: enriquecendo do modo admirável a pobreza dos seus fiéis, ele conservou a plenitude dos seus tesouros inesgotáveis.
Assim, a caridade que fez Cristo descer do céu à terra, elevou Estevão da terra ao céu. A caridade de que o Rei dera o exemplo logo refulgiu no soldado.
Estêvão, para alcançar a coroa que seu nome significa, tinha por arma a caridade e com ela vencia em toda parte. Por amor a Deus não recuou perante a hostilidade dos judeus, por amor ao próximo intercedeu por aqueles que o apedrejavam. Por esta caridade, repreendia os que estavam no  erro para que se emendassem, por caridade orava pelos que o apedrejavam para que não fossem punidos.
Fortificado pela caridade, venceu Saulo, enfurecido e cruel, e mereceu ter como companheiro no céu aquele que tivera como perseguidor na terra.  Sua santa e incansável caridade queria conquistar pela oração, a quem não pudera converter pelas admoestações.
E agora Paulo se alegra com Estêvão, com Estêvão frui da glória de Cristo, com Estêvão exulta, com Estêvão reina. Aonde Estêvão chegou primeiro, martirizado pelas pedras de Paulo,  chegou depois Paulo, ajudado pelas orações de Estevão.
É esta a verdadeira vida, meus irmãos, em que Paulo não se envergonha mais da morte de Estêvão, mas Estevão se alegra pela companhia de Paulo, porque em ambos triunfa a caridade. Em Estêvão, a caridade venceu a crueldade dos perseguidores, em Paulo, cobriu uma multidão de pecados; em ambos, a caridade mereceu a posse do reino dos céus.
A caridade é a fonte e origem de todos os bens, é a mais poderosa defesa, o caminho que conduz ao céu.  Quem caminha na caridade não pode errar nem temer.  Ela dirige, protege, leva a bom termo.
Portanto, meus irmãos, já que o Cristo nos deu a escada da caridade pela qual todo cristão pode subir ao céu, conservai fielmente a caridade verdadeira, exercitai-a uns para com os outros e, subindo por ela, progredi sempre mais no caminho da perfeição.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

A reforma do Ano Litúrgico a partir do Concílio Vaticano II (parte IV)


Santos e santas no culto da Igreja ao longo do ano litúrgico


A Igreja inseriu também no ciclo anual a memória dos mártires e outros santos, os quais, tendo pela graça multiforme de Deus atingido a perfeição e alcançado a salvação eterna, cantam hoje a Deus no céu o louvor perfeito e intercedem por nós. Ao celebrar o “dies natalis”(dia da morte) dos santos, proclama o mistério pascal realizado na paixão e glorificação deles com Cristo, propõe aos fiéis os seus exemplos, que conduzem os homens ao Pai por Cristo, e implora pelos seus méritos as bênçãos de Deus (SC 104).

A Igreja, segundo a tradição, venera os santos e as suas relíquias autênticas, bem como as suas imagens. É que as festas dos santos proclamam as grandes obras de Cristo nos seus servos e oferecem aos fiéis os bons exemplos a imitar. Para que as festas dos santos não prevaleçam sobre as festas que recordam os mistérios da salvação, muitas delas ficarão a ser celebradas só por uma igreja particular ou nação ou família religiosa, estendendo-se apenas a toda a Igreja as que festejam santos de inegável importância universal (SC 111).

ASacrosanctum Concilium dedica dois números ao culto e as festas dos santos. São os números 104 e 111. Segundo Julián L. Martín: “O culto litúrgico dos santos começou historicamente com a veneração dos mártires, uma forma de culto aos defuntos assumido pelos cristãos, mas relacionado desde os primeiros tempos com a morte do Senhor e com a confissão de seu senhorio pascal.”[6]

O primeiro culto aos santos a se desenvolver na Igreja foi o culto aos mártires. Para Bergamini: “Este culto não é senão um aspecto do mistério pascal. Se os mártires, com seus sofrimentos, testemunharam Cristo, com maior razão é Cristo que neles testemunhou o Pai.[7] O culto dos mártires inicialmente era somente local. Com o tempo passou-se para outras Igrejas e posteriormente estendeu-se para a Igreja Universal.

Com o passar dos séculos, foi-se acrescentando outros santos ao calendário litúrgico. Porém, foi-se sobrecarregando o calendário litúrgico com comemorações dos santos a tal ponto de obscurecer a celebração do mistério do Senhor no ano litúrgico. Desde modo: “Muitos domingos haviam sido suprimidos, pois seus lugares foram ocupados por celebrações de santos.”[8]Após tentativas fracassadas de restabelecer a primazia do mistério do Senhor sobre as festas dos santos, Pio X, mediante o Motu Proprio Abhinc duos annos, restaura a prevalência dos domingos sobre as festas dos santos.

Esta restauração tem seu coroamento no Concílio Vaticano II. Ele restabelece a centralidade do mistério pascal de Cristo sobre as demais festas. Conforme Auge: “O ano litúrgico celebra uma única realidade, o mistério pascal de Cristo. [...] A Igreja ao celebrar cada ano o‘dia natalis’ dos mártires e dos santos, celebra o ‘realizar-se’ neles do mistério pascal do Senhor.”[9] O santo participa da plenitude do mistério pascal de Cristo, e sua santidade existe em função desta participação.

Ao venerar os santos, a Igreja reconhece e proclama a graça vitoriosa de Cristo, único salvador e redentor dos homens. Ela rende graças ao Pai pela misericórdia que nos é concedida no Cristo e se torna presente e atuante em alguns de seus membros e, consequentemente, em todo o corpo da Igreja.[10]

No culto dos mártires e dos outros santos (cf. SC 104), prestando neles culto a Deus, podemos distinguir três aspectos:

1. A Igreja dá graças a Deus, admirável nos seus santos. Celebrando seu natalício (dia da morte), a Igreja prega o mistério pascal de Cristo;

2. Os santos são vistos como modelo a serem imitados. A graça divina recebida e vivida pelos santos os torna sinal e testemunho de fé, nos servindo de modelo a ser seguido;

3. Por seus méritos e presença diante de Deus, os santos tornam-se nossos intercessores junto a Deus.

 O número 111 da Sacrosanctum Concilium restabelece a centralidade e a primazia do mistério pascal de Cristo sobre as festas dos santos. Para isso, a Igreja vai estabelecer critério para a permanência de alguns santos no calendário universal do ano litúrgico, bem como, para que outros santos permaneçam somente nas celebrações locais, seja numa Igreja particular (diocese), nação ou família religiosa. Permanecem no calendário litúrgico para toda a Igreja somente os santos de “inegável importância universal” (cf. SC 111).

Todavia, não contou apenas o critério da universalidade geográfica; também se levou em conta a universalidade da vida cristã, em virtude da qual deviam estar representados todos os estados de vida e toda a variedade de expressões e realizações das virtudes e da santidade cristãs, como: a ação missionária e caritativa, o apostolado dos leigos, a vida contemplativa, a ascese, etc. Igualmente a universalidade no tempo, em virtude da qual foram incorporados no calendário romano representantes de todos os séculos.[11]

[6]MARTÍN, Julián López. A liturgia da Igreja..., p. 406.
[7]BERGAMINI, Augusto. Cristo, festa da Igreja: o ano litúrgico. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 480.
[8] MORA, Alfonso. Os santos no ano litúrgico. In: CELAM. Manual de liturgia IV. São Paulo: Paulus, 2007, p. 95.
[9]AUGÉ, Matias. Liturgia: história, celebração, teologia, espiritualidade. São Paulo: Ave Maria, 1996, p. 326.
[10]ADAM, Adolf. O ano litúrgico: sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 194.
[11] MORA, Alfonso. Os santos no ano litúrgico... p. 98.


Dos Sermões de São Leão Magno, papa



Toma consciência, ó Cristão, da tua dignidade

Hoje, amados filhos, nasceu o nosso Salvador. Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida; uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com promessa da eternidade.
Ninguém está excluído da participação nesta felicidade. A causa da alegria é comum a todos, porque nosso senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado ninguém isento de culpa, veio libertar a todos. Exulte o justo, porque se aproxima da vitória; rejubile o pecador, porque lhe é oferecido o perdão; reanime-se o pagão, porque é chamado à vida.
Quando chegou a plenitude dos tempos, fixada pelos insondáveis desígnios divinos, o Filho de Deus assumiu a natureza do homem para reconciliá-lo com seu criador, de modo que o demônio, autor da morte, fosse vencido pela mesma natureza que antes vencera.
Eis por que, no nascimento do Senhor, os anjos cantam jubilosos: Glória a deus nas alturas; e anunciam: Paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14). Eles vêem a Jerusalém celeste ser formada de todas as nações do mundo. Diante dessa obra inexprimível do amor divino, como não devem alegrar-se os homens, em sua pequenez, quando os anjos, em sua grandeza, assim se rejubilam?
Amados filhos, demos graças a Deus Pai, por seu Filho, no Espírito Santo; pois, na imensa misericórdia com que nos amou, compadeceu-se de nós. E quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo (Ef 2,5) para que fôssemos nele uma nova criação, nova obra de suas mãos.
Despojemo-nos, portanto, do velho homem com seus atos; e tendo sido admitidos a participar do nascimento de Cristo, renunciemos às obras da carne.
Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade. E já que participas da natureza divina, não voltes aos erros de antes por um comportamento indigno de tua condição. Lembra-te de que cabeça e de corpo és membro. Recorda-te que foste arrancado do poder das trevas e levado para a luz e o reino de Deus.
Pelo sacramento do batismo te tornaste templo do Espírito Santo. Não expulses com más ações tão grande hóspede, não recaias sob o jugo do demônio, porque o preço de tua salvação é o sangue de cristo.