ASSEMBLEIA
LITÚRGICA:
participação
de um povo sacerdotal na liturgia
a
partir da Constituição Sacrosanctum Concilium
Pe. Cristiano
Marmelo Pinto
“Desde o próprio dia de
Pentecostes, a Igreja nunca deixou de reunir-se para celebrar o mistério
pascal: lendo tudo o que se refere a ele em toda a Escritura (Lc 24,27),
celebrando a Eucaristia, na qual voltam a fazer-se presentes a vitória e o
triunfo de sua morte e, ao mesmo tempo, agradecendo a Deus pelo dom inefável
(2Cor 9,15) em Cristo Jesus, para louvar sua glória (Ef 1,12) pela força do
Espírito Santo” (SC 6).
1.
Introdução
A questão da assembleia é
fundamental no que diz respeito à participação litúrgica. Compreender o papel
da assembleia na ação litúrgica, sua sacramentalidade e finalidade são
imprescindíveis para que a liturgia, renovada pelo Concílio Vaticano II, possa
atingir a tão desejada participação de todo o povo de Deus na liturgia. Toda a
renovação promovida pelo Concílio e promulgada no documento conciliar sobre a
liturgia Sacrosanctum Concilium visa
resgatar esta participação de todos na celebração litúrgica.
A celebração litúrgica não
é uma reunião qualquer, muito menos um aglomerado de massa ou grupo de
indivíduos sem algo comum, mas possui uma finalidade específica e atinge um
grupo característico. A assembleia litúrgica difere-se de outros tipos de
assembleia, porque é formada pelo povo de Deus, povo de sacerdotes, que
participa do Sacerdócio único de Cristo (cf. LG 10; 11).
Toda celebração requer a
participação de um grupo, ou seja, é preciso que um grupo de pessoas se reúna
para celebrar. “Não existe culto plenamente litúrgico a não ser que seja
celebrado para e por um povo reunido” (GELINEAU, 1973, p. 40). De fato, como
afirma a constituição Sacrosanctum
Concilium “a Igreja nunca deixou de reunir-se para celebrar o mistério
pascal” (SC 6). Mas esta reunião não é um simples encontro de pessoas. É
preciso formar um corpo, uma assembleia. Esta assembleia que se reúne para
celebrar o mistério pascal de Cristo é o que chamamos de assembleia litúrgica.
Na celebração dos 50 anos
do Concílio Vaticano II e mais especificamente da Constituição sobre a liturgia
Sacrosanctum Concilium, queremos refletir sobre a assembleia litúrgica como
participação de um povo sacerdotal na celebração a partir deste documento que é
o marco de toda uma mudança de atitude e mentalidade e, que visa principalmente
o resgate da participação do povo de Deus de modo ativo na liturgia. Queremos
compreender o sujeito da celebração e suas vertentes no contexto celebrativo.
2.
Mas o que é uma assembleia litúrgica?
Levando em conta a
conotação profana do termo, assembleia indica um grupo qualquer de pessoas que
se reúnem para um determinado objetivo. Considerando o contexto religioso “a
assembleia litúrgica é um grupo humano que se reúne e, no âmbito dessa
categoria, um grupo orientado para uma atividade religiosa” (SPERA; RUSSO,
2005, p. 111). Este grupo humano que se reúne em assembleia para uma atividade
religiosa é o povo de Deus, e no nosso caso, o povo cristão, comunidade de
fiéis unidos pela fé e pelo batismo que nos constitui povo de Deus.
À primeira vista, quando
falamos de reunião, vem-nos a mente de que para reunir-se é preciso estar
disperso. No entendimento de Argárate “reunião é voltar a unir-se. E se é
voltar a unir-se, previamente é necessário uma certa des-união ou dispersão.
Por sua vez, a partícula ‘re’ implica que antes da des-união havia uma sólida
união. Desse modo, re-união leva-nos a voltar a uma unidade primeira”
(ARGÁRATE, 1997, p. 57).
A comunidade-Igreja
reúne-se para um fazer especial, marcadamente comunitário. Até podemos dizer
que essa comunidade existe para esse fazer. A essência da comunidade é o
reunir-se para o fazer litúrgico. A comunidade-Igreja ordena-se principalmente
para o fazer da liturgia. A Igreja é a comunidade da liturgia, do fazer
celebrativo do mistério do Senhor (ARGÁRATE, 1997, p. 58).
Desde cedo usou-se o termo
ekklesía para expressar a reunião dos
cristãos. “A significação literal imediata do termo seria chamado, reunião,
comunidade, igreja” (BERNAL, 2000, p. 111). Ekklesía
transliterado para o latim Ecclesia
são versões da palavra hebraica qahal,
que “designa a convocação para uma assembleia e o ato de reunir-se. A melhor
maneira de traduzi-la seria por chamado” (COENEN, apud BERNAL, 2000, p. 111).
Na sua concepção mais antiga e originária, ekklesía
fazia referência à comunidade do povo de Deus convocada e reunida para celebrar
a liturgia. Segundo Spera (2005, p. 112), “os autores mais antigos que
descrevem a liturgia mais primitiva indicam como sua principal característica e
seu começo o fato de reunir-se, de deslocar-se e de chegar a um mesmo lugar
para encontrar-se e ficarem todos juntos”. Porém, a assembleia litúrgica não se
reúne espontaneamente, mas sim, por um chamado, uma convocação que tem sua
origem em Deus. “Assembleia, em compensação, é a reunião da Igreja, do povo de
Deus, convocado pela Palavra do Senhor, em um lugar concreto e num momento
preciso para celebrar os mistérios do culto” (BERNAL, 2000, p. 111). É por esse
motivo que no início da celebração, após a saudação do presidente, a comunidade
responde: Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo. É Deus quem nos
convoca e reúne no amor de seu Filho Jesus. A comunidade dispersa, ao ouvir o
chamado de Deus atende sua convocação e se reúne.
Os que se sentem unidos
por diversos vínculos de conhecimentos, afeto, parentesco, amizade, relação
profunda, mais que, na vida ordinária, se acham dispersos, separados,
re-unen-se, isto é, voltam a unir-se, a exprimir a sua vinculação unitiva, de
modo sensível, por meio de uma presença física de reciprocidade (MALDONADO,
1990, p. 163).
Para nós cristãos, o
vínculo que nos faz reunir-se para celebrar é a fé em Jesus Cristo e o nosso
batismo, que nos torna, todos, povo de Deus. Deste modo, manifesta-se a Igreja
reunida para celebrar o mistério pascal de Cristo. “Essa Igreja mostra-se,
assim, como a grande força unificante no mundo, o lugar onde todos os homens
são um. E essa unidade se alcança não suprimindo as diferenças, mas
conservando-as” (ARGÁRATE, 1997, p. 58). A liturgia manifesta a verdadeira
natureza da Igreja (cf. SC 2).
Conforme Beckhäuser (2012,
p. 17): A liturgia constitui a maior epifania ou manifestação da Igreja. Ela
mostra a Igreja aos que estão fora dela, como estandarte erguido diante das
nações, a fim de que se estabeleça a verdadeira união entre os cristãos e todos
sejam congregados até que haja um só rebanho e um só pastor.
Cada membro da Igreja
participa da assembleia litúrgica de modo diferente, segundo a diversidade de
ministérios e funções (cf. SC 26; LG 11).
3.
Assembleia litúrgica e participação de um povo sacerdotal
A celebração litúrgica é
obra de Cristo sacerdote e de seu corpo, a Igreja, ou seja, do “Christus Totus” (Cristo total, cabeça e
membros). Não encontramos nos Evangelhos nenhuma referência ao sacerdócio. No
Novo Testamento, e mais precisamente na Carta aos Hebreus, há somente um único
sacerdócio, um único sacerdote e mediador: Jesus Cristo (cf. Hb 4,14.8,1.
10,19-21). É na Primeira Carta de Pedro que irá aparecer a participação do
cristão no sacerdócio de Cristo (cf. 1Pd 2,4-5.9).
Sobre a presença e atuação
de Cristo na liturgia, a constituição Sacrosanctum
Concilium dedicou um artigo inteiro (cf. SC 7). Nele afirma-se que Cristo
está sempre presente à sua Igreja, de modo especial nas ações litúrgicas.
Cristo age unido à Igreja e por isso, a liturgia é o exercício do sacerdócio de
Cristo. “Toda celebração litúrgica, pois, como obra de Cristo sacerdote e de
seu corpo, a Igreja, é ação sagrada num sentido único” (SC 7). É toda a
comunidade que, unida a Cristo, celebra a liturgia. “A assembleia reunida para
celebrar a liturgia se apresenta como comunidade sacerdotal. Ela exerce e
atualiza o sacerdócio eterno e único de Jesus Cristo” (BERNAL, 2000, p. 122). É
neste sentido que a constituição irá afirmar que: “as ações litúrgicas não são
ações privadas, mas celebrações da Igreja, sacramento da unidade” (SC 26).
Assim sendo, as ações litúrgicas já não são mais privativas dos ministérios
ordenados, mas atos de toda a Igreja, e por isso deve-se preferir, na medida do
possível, a celebração comunitária em que cada um deve desempenhar aquilo que
lhe cabe (cf. SC 26; 27; 28).
A Igreja é uma comunidade
de caráter sacerdotal (cf. SC 7). “A liturgia, exercício do sacerdócio de
Cristo, torna-se visível na Igreja e por meio da Igreja” (SPERA; RUSSO, 2005,
p. 113). A mediação sacerdotal de Cristo é visibilizada, prolongada e
manifestada por meio da comunidade dos batizados. Como afirma a constituição Lumen Gentium: “os batizados
consagram-se para serem edifício espiritual e sacerdócio santo, a fim de, por
meio de toda a sua atividade cristã, oferecerem sacrifícios espirituais e
proclamarem as grandezas daquele que das trevas nos chamou para a sua luz
maravilhosa” (LG 10). O Concílio procurou recuperar a função sacerdotal de todo
o povo de Deus na assembleia litúrgica.
O Concílio faz então uma
distinção entre, de um lado, o sacerdócio comum ou sacerdócio dos batizados e,
de outro lado, o sacerdócio ministerial dos bispos e presbíteros. Não se trata
de dois sacerdócios. Ambos são expressão e participação do mesmo e único
sacerdócio, o de Jesus Cristo. O sacerdócio comum não deriva ou não está abaixo
do sacerdócio ministerial (BUYST, 2012, p. 38).
O fundamento do sacerdócio
é o batismo (cf. LG 14; 31, AA 3). Porém, Cristo está representado na Igreja,
como cabeça de seu corpo, por meio do sacerdócio ministerial. Embora diferente
do sacerdócio batismal de todos os fiéis em essência e grau, ordena-se para
este. “O sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum dos fiéis, ambos expressão
de uma Igreja povo sacerdotal, precisam um do outro e se completam
reciprocamente para realizar o culto verdadeiro (MARTÍN, 1996, p. 207).
O sujeito integral da
liturgia é sempre a Igreja, mas seu sujeito último e transcendente é Jesus
Cristo, que fez da Igreja seu corpo sacerdotal. A assembleia litúrgica é,
portanto, a reunião da Igreja, povo sacerdotal de Cristo, para celebrar pelo
vínculo da fé e do batismo, o mistério pascal de Cristo. Assim, como define o
Catecismo da Igreja, “na celebração dos sacramentos, a assembleia inteira é o
liturgo, cada um segundo a sua função, mas na unidade do Espírito, que age em
todos” (CIC, 1144).
4.
Características da assembleia litúrgica
O centro de toda
assembleia litúrgica é a presença do Cristo ressuscitado no meio dela. De fato,
foi o próprio Jesus Cristo quem prometeu que “onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). A essa presença de
Jesus corresponde a fé confessada da comunidade reunida. A assembleia litúrgica
é então, a reunião motivada pela fé em Jesus Cristo ressuscitado. “A assembleia
litúrgica parte da fé, sendo ela própria uma confissão de fé no Senhor
ressuscitado” (SPERA; RUSSO, 2005, p. 115).
A assembleia litúrgica,
reunida na presença de Cristo, possui suas características. Vejamos algumas
dessas características.
1ª) A assembleia litúrgica
é um grupo ao mesmo tempo unitário e diverso: a assembleia deve ser um fator de
unidade de todos os que dela fazem parte. Ela deve ser um espaço de acolhida
cordial de todos que chegam para celebrar o mistério do Senhor. A assembleia é
composta de pessoas que possuem muito em comum, mas que também tem suas
diferenças. Por isso, mesmo que seja um ato eclesial, ninguém perde sua
identidade particular.
A assembleia litúrgica
deve ser aberta e, portanto, plural, heterogênea, matizada, sinal da
universalidade do amor do Pai, da catolicidade do seu desígnio salvífico, da
solidariedade ilimitada suscitada pela liberalidade da sua vontade libertadora.
O único requisito para ser admitido a ela é a fé (MALDONADO, 1990, p. 167).
2ª) A assembleia litúrgica
é carismática e hierárquica : significa que a assembleia litúrgica não é um
amontoado de indivíduos anônimos, mas uma comunidade de fiéis que possui
carismas e dons e é estruturada de maneira hierárquica. Essa característica é
traduzida no plano prático através dos diversos ministérios e funções exercidas
na celebração. Esses ministérios e funções devem ser desempenhados para o bem
de todos.
Há, no entanto, na
assembleia, um princípio de distinção entre as pessoas, que não deriva da
consideração mundana, mas de sua natureza orgânica e de seu próprio mistério:
sua estrutura hierárquica. Todavia, não deve essa estrutura abafar os carismas
de seus membros.
Essa estrutura é como que
bipolar: de um lado, a presidência, sinal pessoal do Senhor, servo e sacerdote;
do outro, o povo, sinal da Igreja, a exercer seu sacerdócio batismal. Em torno
desses dois polos, desenvolve-se certo número de serviços. Ao polo da
presidência estão antes ligados os serviços da Palavra, da oração e da mesa; ao
lado do povo, os da acolhida, das ofertas e do canto (GELINEAU, 1973, p. 65).
3ª) A assembleia litúrgica
é uma comunidade que supera as tensões: a assembleia litúrgica, por ser a
reunião de indivíduos e grupos, possui suas tensões. Mas essas tensões devem
ser superadas. “Há uma contínua tensão entre o indivíduo que vem à assembleia e
a ação simbólica que lhe é proposta pela liturgia” (GELINEAU, 1973, p. 66-67).
O fato de serem todos crentes não significa que concordam imediatamente com a
celebração. Há dois aspectos nessa tensão: por um lado, refere-se à própria
realidade da ação proposta, ou seja, deixar-se julgar e converter pela Palavra;
morrer e ressuscitar com Cristo; comungar com Deus e com os irmãos. É o que
Paulo fala a respeito da necessidade de revestir-se do homem novo (cf. Ef
4,24). Por outro lado, refere-se aos sinais nos quais esse mistério é proposto,
ou seja, linguagem parcialmente desconhecida, pessoas com quem celebro, que não
escolhi, que não são todas conhecidas, cantos e textos que não são minha
escolha, mas propostos pela liturgia.
A assembleia é uma
comunidade que supera as tensões entre o indivíduo e o grupo, entre o subjetivo
e o objetivo, entre o particular e o que é patrimônio comum, entre o que é
somente local e o que é universal, etc. A assembleia não anula, integra; e isso
não só no nível do eu e do tu no nós – abertura e encontro interpessoal, mas também
no nível histórico e contingente com o transcendente e eterno, ou seja, com o
mistério de salvação e a graça de Cristo, que autentica o encontro das pessoas
nesse horizonte comunitário (MARTÍN, 1996, p. 209).
4ª) A assembleia litúrgica
é polarizante: dizer que a assembleia litúrgica polariza significa que ela
oferece um canal de expressão e de comunicação aos sentimentos dos que estão
presentes na celebração. Significa dizer que a assembleia além de centrar os
sentimentos de cada pessoa em torno de um determinado valor religioso, ela
também concentra nele os sentimentos da comunidade inteira que partilha a mesma
experiência de fé e de oração.
A assembleia polariza e
proporciona meios de expressão e de comunicação aos sentimentos dos presentes,
por mais contrastantes que possam mostrar-se (SPERA; RUSSO, 2005, p. 116).
5.
A participação da assembleia na celebração litúrgica
O grande anseio da
renovação litúrgica promovida pelo Concílio Vaticano II é resgatar
principalmente a participação de toda a comunidade na celebração. Para isso
empenhou-se em tornar o rito litúrgico mais claro, simples, sóbrio, conforme as
características da liturgia celebrada no início da Igreja. Compreender o papel
da assembleia litúrgica na celebração é fundamental para resgatar a sua
participação e evitar certos equívocos ou até mesmo atitudes “populistas” de
quem considera promover a participação da assembleia, confundindo os papéis de
cada ministério e função na celebração. O documento conciliar diz que a Igreja
procura fazer com que os fiéis estejam presentes na liturgia, não como
estranhos espectadores, mas como participantes conscientes e ativos (cf. SC
48).
Há todo um jogo na
expressão dos gestos e na linguagem da celebração litúrgica para indicar, por
exemplo, que algumas vezes é a assembleia toda que atua, ou os membros
individualmente, ou aquele que preside, fazendo o que lhe cabe em nome de todo
o povo santo, ou dialogando com os fiéis (MARTÍN, 1996, p. 209).
Qual o significado da
palavra “participar”? Participar vem do latim tardio (partem-capere, participare,
participatio) e significa intervir,
assistir, aderir, ter parte. Participare
– participatio indicam, na linguagem litúrgica, uma relação com, ter algo
em comum com, estar em comunhão. Participação expressa portanto, relação,
comunicação, identificação, unidade. Esses termos são usados para referir-se à
participação no mistério celebrado. Participação na liturgia significa ter
parte na ação litúrgica, na vida liturgia. Não como “espectadores mudos” (SC
48), mas de modo consciente, ativo e frutuoso (cf. SC 11; 48; 114). “Participar
da ação litúrgica significa ter parte no mistério que está sendo celebrado”
(BUYST, 2002, p. 103).
A participação na liturgia
envolve três aspectos:
1) A ação de participar,
mediante atos humanos (gestos, ritos) e atitudes internas, suscetíveis a variar
de intensidade ou de modalidade;
2) O objeto da
participação, ou seja, aquilo de que se participa, que não é somente um ato,
ritual e simbólico, mas também o conteúdo misterioso que se celebra ou se
atualiza (o acontecimento salvífico);
3) As pessoas que tomam
parte na celebração, isto é, ministros e fiéis, cada um segundo o grau próprio
de sua função na liturgia.
Antes de qualquer
tentativa de compreender como se dá a participação na liturgia, é preciso ter
em mente que é toda a assembleia o sujeito da liturgia e não apenas os
ministros ordenados (cf. SC 48). Sendo, pois, sujeito da celebração, todos dela
devem participar. Significa que a participação da assembleia é parte integrante
da ação litúrgica que tem sua origem e fundamento no sacerdócio batismal de
todo cristão (cf. SC 14; LG 10-11). A participação na liturgia é um direito e
um dever de todos. Ela não é algo privativo, de apenas alguns, mas de todos. É
o que diz o Concílio quando afirma que: “as ações litúrgicas não são ações
privadas, mas celebrações da Igreja, que é o sacramento da unidade, isto é, o
povo santo, unido e ordenado sob a direção dos bispos” (SC 26). Por isso é
preciso promover a participação de todos na liturgia.
A Igreja deseja
ardentemente que todos os fiéis participem das celebrações de maneira
consciente e ativa, de acordo com as exigências da própria liturgia e por
direito e dever do povo cristão, em virtude do batismo, como “raça eleita,
sacerdócio régio, nação santa e povo adquirido”. Procure-se, por todos os
meios, restabelecer e favorecer a participação plena e ativa de todo o povo na
liturgia. Ela é a fonte primeira e indispensável do espírito cristão (SC 14).
A Constituição Sacrosanctum Concilium apresenta o ideal
da participação na liturgia. Vejamos:
a) Participação plena,
consciente, ativa e proveitosa (SC 11; 14);
b) Participação interna e
externa (SC 19; 110);
c) Participação em ato (SC
26);
d) Participação própria
dos fiéis e comunitária (SC 114);
e) Participação em
assembleia (SC 121);
f) Participação ordenada e
harmoniosa (SC 18; 19).
A participação na liturgia
é algo interno e externo (cf. SC 11), algo que envolve toda a pessoa, de forma
que as atitudes interiores coincidam com o gesto ou a ação exterior. Deve ser
consciente (cf. SC 14), além de ativa e plena. Quanto aos elementos da
participação na liturgia exposto pelo Concilio Vaticano II, vejamos alguns
deles.
a) Participação ativa:
participar da celebração de forma ativa sugere ação de todos. Significa em
primeiro lugar “querer encontrar-se com o Senhor, responder a seu convite”
(BUYST, 2002, p. 104). Significa querer encontrar-se com os irmãos na fé, povo
sacerdotal. Em segundo lugar significa participar ativamente de todas as ações
litúrgicas, cada qual exercendo a sua função;
b) Participação interna e
externa: a participação na liturgia tem dois aspectos, um interno e outro
externo. O que realizamos externamente (gestos, palavras, canto, movimentos...)
deve ter repercussão interior, ou seja, deve atingir nossa interioridade, nosso
coração. É deixar-se mergulhar, através dos gestos e sinais, no mistério do
Senhor;
c) Participação
consciente: significa que nossa mente deve acompanhar nossas palavras e gestos.
Como dizia São Bento: “que nossa mente concorde com o coração”. Participar
conscientemente trata-se de que precisamos compreender cada gesto, palavra,
símbolos da liturgia. É uma compreensão que vai além do puro raciocínio, é
deixar-se tocar pelo mistério do Senhor, e poder ver em tudo que se realiza na
liturgia a expressão desse mistério;
d) Participação plena:
trata-se de participar de maneira integral, ou seja, se entregar por inteiro no
que está sendo celebrado. Identificar-se com o mistério celebrado e deixar-se
tomar por ele e se transformar. É o que diz São Paulo: “Já não sou eu que vivo,
pois é Cristo que vive em mim. E esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no
Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20);
e) Participação frutuosa:
significa que a participação na celebração litúrgica deve produzir frutos na
vida de quem dela participa. Ela deve ser traduzida em ações, em compromisso no
dia a dia das pessoas. Em outras palavras, significa dizer que a liturgia deve
produzir frutos de conversão e transformação em nossa vida, ter continuidade
fora do momento celebrativo.
Em vista de uma melhor
participação na liturgia, o Concílio procurou concretizar os meios possíveis
para que a participação da assembleia aconteça. Para isso é necessário:
a) Formação litúrgica (SC
14-19);
b) Catequese litúrgica e
de admoestações oportunas no desenvolver dos ritos (SC 35,3);
c) Ritos simplificados (SC
34);
d) Fomento dos cantos e
das respostas, dos gestos e das posturas corporais, assim como do silêncio na
celebração (SC 30);
e) Introdução da língua
vernácula (SC 36,2);
f) Inculturação da
liturgia (SC 37-40);
g) Ampliação das leituras
da Palavra de Deus na liturgia (Sc 24);
h) Homilia (Sc 35,2);
i) Revisão dos testos e
dos livros litúrgicos (SC 21; 25).
7.
Concluindo...
A liturgia é a celebração
de todo o povo de Deus, Corpo de Cristo (Cabeça e membros). A assembleia que
celebra a liturgia é manifestação da Igreja e sujeito da liturgia. Na liturgia,
a Igreja se manifesta como povo sacerdotal, que celebra o mistério da fé. Esse
povo sacerdotal é constituído pelo batismo, que nos faz todos participantes do
único sacerdócio de Jesus Cristo. Embora diferentes em grau e essência, o
sacerdócio batismal e o sacerdócio ministerial está um ordenado para o outro.
A assembleia litúrgica é a
reunião da Igreja, povo sacerdotal de Cristo, para celebrar pelo vínculo da fé
e do batismo, o mistério pascal de Cristo. Desse modo, podemos concluir que a
participação da assembleia na liturgia consiste em, deixar-se tomar pelo
mistério celebrado e dele participar de modo ativo e consciente. Se
compreendermos bem o papel da assembleia na liturgia, seus ministérios e
funções, poderemos promover então o que deseja o Concílio Vaticano II, na
Constituição sobre a liturgia Sacrosanctum
Concilium: uma participação ativa, interior e exterior, consciente,
piedosa, plena e frutuosa.
Ainda nos falta muito por
fazer. Precisamos arregaçar as mangas e ajudar o nosso povo a celebrar cada vez
melhor. A promoção da participação da assembleia na liturgia cabe tanto aos
pastores (bispos e presbíteros), como também aos membros da pastoral litúrgica.
Então, mãos à obra!
Referências
bibliográficas:
CONCÍLIO ECUMÊNICO
VATICANO II. Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia.
(Coleção: A voz do papa 26). São Paulo: Paulinas, 2002.
ARGÁRATE, Pablo. A Igreja
celebra Jesus Cristo: introdução à celebração litúrgica. São Paulo: Paulinas,
1997.
BERNAL, José Manuel.
Celebrar, un reto apasionante: bases para una comprensión de la liturgia.
Salamenca/Madrid: San Esteban/Edibesa, 2000.
BUYST, Ione. Participar da
liturgia. São Paulo: Paulinas, 2012.
BUYST, Ione; SILVA, José
Ariovaldo da. O mistério celebrado: memória e compromisso I. Valencia: Siquem,
2002.
GELINEAU, Joseph. Em
vossas assembleias 1: teologia pastoral da missa. São Paulo: Paulinas, 1973.
MALDONADO, Luis. A
celebração litúrgica: fenomenologia e teologia da celebração. In: BOROGIO,
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SPERA, Juan Carlos; RUSSO,
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Paulo: Paulus, 2005, p. 111-141.